Passado, Presente, Futuro

Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"

Kommentare

  1. Muito lindo Saramago! Mais bonito foi a tua escolha. Beijo

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  2. Tenho de reconhecer que apesar de conhecer relativamente bem o Saramago romancista, desconheço toda a obra poética dele.
    Embora tenho gostado do poema, é muito cedo para me pronunciar sobre o poeta Saramago

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  3. Quem tão humildementa se apresenta
    Quem tão poeticamente se apouca
    Tem de adversidade aguentar, e aguenta
    Até a própria morte deixar louca

    E de batráquio a homem, se agiganta
    Cantando prosas até ficar rouco
    Sem lhe ficar nem um pouco
    de esperança presa na garganta

    (ainda acabará por merecer o seu nome, numa rua de Oeiras)

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  4. Gostei deste poema de Saramago!

    Beijocas!

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  5. Excelente momento poético.
    Saramago a ser descoberto aos poucos, como a face oculta da lua.
    Kandandos.

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  6. Teresa, amiga!

    Que beleza !
    Emocionei-me com as palavras de Saramago.
    Ele é também poeta maior!

    "Eu luminoso não sou


    Eu luminoso não sou. Nem sei que haja
    Um poço mais remoto, e habitado
    De cegas criaturas, de histórias e assombros.
    Se, no fundo poço, que é o mundo
    Secreto e intratável das águas interiores,
    Uma roda de céu ondulando se alarga,
    Digamos que é o mar: como o rápido canto
    Ou apenas o eco, desenha no vazio irrespirável
    O movimento de asas. O musgo é um silêncio,
    E as cobras-d'água dobram rugas no céu,
    Enquanto, devagar, as aves se recolhem"

    José Saramago

    Bjs.

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